Em um litígio, a fase de execução visa assegurar o cumprimento de uma decisão judicial, satisfazendo o direito da parte vencedora. No caso da cobrança de dívidas, é possível a determinação de medidas como a penhora de bens e o bloqueio de contas.
Embora nem todos os bens possam ser alcançados pela penhora, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece hipóteses de impenhorabilidade absoluta e relativa, que funcionam como verdadeira barreira legal para proteger direitos fundamentais (art. 833 do CPC e à Lei 8.009/90). Siga lendo este artigo para entender melhor o assunto.
A base conceitual da impenhorabilidade
Sinteticamente, a impenhorabilidade pode ser definida como um mecanismo que limita a atuação do credor no processo de cobrança de débito. Os fundamentos jurídicos dessa limitação encontram respaldo nos arts. 833 e 835 do Código de Processo Civil, na Lei 8.009/90 (bem de família) e em princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e o direito à moradia (art. 6º, CF).
Art. 833. São impenhoráveis:
I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;
V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI – o seguro de vida;
VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.
§ 3º Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.
Compreendidos os elementos centrais da impenhorabilidade, podemos falar de suas duas categorias — a absoluta e a relativa — também previstas em lei.
Fundamentos jurídicos: impenhorabilidade absoluta x relativa
A impenhorabilidade absoluta é uma proteção total aplicada a bens ligados diretamente à dignidade e à sobrevivência do devedor e de sua família. Falamos, portanto, de bens que nunca podem ser penhorados, numa lista que inclui:
- Bens públicos: imóveis pertencentes à União, estados ou municípios não podem ser penhorados, pois estão vinculados ao interesse coletivo.
- Recursos destinados à saúde e educação: valores vinculados a políticas públicas, como verbas do SUS ou do Fundeb, não podem ser utilizados para quitar dívidas.
- Instrumentos de trabalho do devedor: quando essenciais ao exercício da profissão.
Já, a impenhorabilidade relativa se aplica a casos em que são admitidas exceções à regra de proteção do bem. São casos em que pode haver penhora parcial ou total, especialmente quando a dívida em questão tem ligação direta com a natureza do bem protegido. Alguns dos principais exemplos são:
- Salários e proventos: podem ser penhorados para pagamento de pensão alimentícia ou para quitar dívidas de até 50% da remuneração líquida, desde que preservada a subsistência do devedor.
- Poupança até 40 salários mínimos: também pode ser penhorada quando se trata de execução de pensão alimentícia.
- Imóvel residencial de família: pode ser penhorado se a dívida estiver ligada ao próprio imóvel, como no caso de hipoteca ou débitos referentes condominiais.
Aprofundando os fundamentos legais da Impenhorabilidade
Até aqui, já temos claro que a impenhorabilidade envolve interpretações e especificidades que o advogado precisa dominar para fundamentar pedidos, impugnações e defesas em execuções. O artigo 833 do Código de Processo Civil, de que já tratamos em tópico anterior, é a principal referência normativa, mas há outras leis que fornecem importantes subsídios, e sobre elas falaremos agora.
Lei do Bem de Família (Lei nº 8.009/1990)
Estabelece a impenhorabilidade do imóvel residencial da família, garantindo que a moradia seja preservada, mesmo diante de dívidas. Contudo, cabe destacar que, como já mencionamos, existem exceções, como cobrança de financiamento do próprio imóvel, dívidas condominiais e pensão alimentícia, por exemplo.
Constituição Federal
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana serve como base para toda a lógica da impenhorabilidade. A proteção do mínimo existencial e da moradia encontra respaldo direto em direitos fundamentais presentes na Constituição.
Jurisprudência dos Tribunais Superiores
Os tribunais vêm exercendo papel central na delimitação prática da impenhorabilidade. Vale citar alguns exemplos de decisões relevantes:
- STJ, REsp 1.815.055/RS (2019): reafirmou a possibilidade de penhora de salários em percentual moderado, desde que não comprometa a subsistência do devedor.
- STF, RE 612.360 (2014): reconheceu a impenhorabilidade absoluta de valores destinados à saúde.
- STJ, AgInt no REsp 1.849.718/SP (2020): reforçou que a conta-poupança até 40 salários mínimos é impenhorável, salvo para dívidas alimentícias.
Essa base normativa e jurisprudencial demonstra que a impenhorabilidade é, ao mesmo tempo, um instituto de proteção rígida e de flexibilidade controlada, dependendo da situação concreta.
O passo a passo para analisar penhorabilidade
Vamos a um guia prático para avaliar se um bem é ou não sujeito à penhora?
Identifique o bem e sua titularidade
A primeira atitude é verificar se o bem é público ou privado, se pertence a pessoa física ou jurídica, e se é destinado à residência ou ao exercício profissional. Trata-se de uma etapa crucial para compreender se o bem é protegido de forma absoluta ou relativa.
Consulte a legislação aplicável
O segundo passo é verificar a aplicação dos fundamentos legais já apresentados neste artigo. Assim, será possível confirmar o possível enquadramento do bem a em alguma das hipóteses de impenhorabilidade, considerando a existência de condições específicas para relativizar a proteção.
Reúna provas e documentos
Visando garantir os pressupostos de proteção do bem, é fundamental ter em mãos:
- Contracheques, extratos bancários e comprovantes de despesas essenciais.
- Extratos que demonstram saldo e movimentação típicos de poupança.
- Matrícula, comprovante de residência e contas de consumo dos imóveis de família.
- Notas fiscais, contratos com clientes ou comprovantes de aquisição que demonstrem a ligação do bem com o exercício de atividade profissional.
Aja no processo
O papel da parte, ou de seu advogado, é garantir a proteção do bem, quando cabível. Portanto:
- Se você é executado: peticione ao juiz solicitando desbloqueio ou limitação da penhora, fundamentando-se na legislação e apresentando provas. Vale considerar a solicitação da tutela de urgência quando necessário.
- Se você é exequente: direcione a penhora a bens penhoráveis e, caso haja bloqueio indevido, busque substituição, com base no artigo 847 do Código de Processo Civil — para garantir efetividade sem violar a lei.
Os requisitos formais
Para facilitar sua ação no processo, siga a estrutura abaixo para contestar o bloqueio indevido.
- Preliminar: narrativa do bloqueio: informando data, valor bloqueado e bem atingido.
- Fundamento legal: citando a hipótese de impenhorabilidade aplicável — de acordo com a natureza do bem protegido — e indicando os dispositivos legais correspondentes. Vale lembrar que é importante agregar jurisprudência que reconheça a validade da tese defendida.
- Provas: anexando o conjunto probatório reunido para validar a tese de impenhorabilidade.
- Pedido: solicitando a decisão cabível no caso concreto, que pode ser: desbloqueio total ou parcial, limitação percentual, substituição da penhora por outro bem, ou tutela de urgência para evitar prejuízo imediato.
Perguntas frequentes
1. Salário é sempre impenhorável?
Em regra, sim, como proteção relativa à subsistência. Entretanto, há exceções, especialmente para dívidas alimentares. Em casos não alimentares, decisões judiciais podem admitir penhora parcial, desde que o mínimo existencial seja preservado. Cada caso exige análise concreta do valor e da situação familiar do executado.
2. Poupança até 40 salários mínimos é blindada?
Sim, quando efetivamente depositada em caderneta de poupança e respeitando o limite legal. Atenção: há controvérsias quando valores estão distribuídos em várias contas, migraram recentemente, ou não possuem natureza de poupança. A jurisprudência é casuística, exigindo prova documental detalhada.
3. Meu único imóvel pode ser penhorado?
Se for bem de família, a regra geral é a proteção. Contudo, pode ser penhorado em algumas situações: dívidas do próprio imóvel (IPTU, condomínio), financiamento do bem ou pensão alimentícia, por exemplo.
4. Ferramentas da minha profissão podem ser levadas?
A lei protege instrumentos essenciais ao exercício profissional. No entanto, o Judiciário analisa proporcionalidade e alternativas. Equipamentos de alto valor ou substituíveis podem ser alvo de penhora parcial ou substituição por penhora em dinheiro, caso se considere desproporcional.
5. E bens públicos?
Em regra, são absolutamente impenhoráveis. 
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